Um ponto de partida simples: As formas que nós conhecemos
Pare um pouco para olhar para alguma coisa – um objeto pendurado na parede, algo que você vê pela janela – qualquer coisa.
Ao olhar, tente encontrar triângulos, círculos, quadrados, linhas, curvas e pontos.
Existem formas que não podem ser reduzidas a essa formas essenciais?
Um segredo que o ajudará a apreciar a simplicidade essencial do desenho é: tudo o que você vê é composto de círculos, triângulos, quadrados, linhas, curvas e pontos (não necessariamente nessa ordem).
Martin Kemp, um estudioso de Da Vinci, fala da convicção de Leonardo de que “[…] a complexidade orgânica da natureza viva, ate as mínimas nuanças de sua forma móvel, baseia-se na riquíssima interação de motivos geométricos no contexto da lei natural”.
Faça de triângulos, círculos e quadrados o tema para suas observações durante um dia.
Para outro dia, escolha como tema linhas, curvas e pontos.
Observe a maneira como essas formas surgem no cotidiano: no rosto das pessoas, na arquitetura, no mobiliário, na arte e na natureza.
Anote as observações que fez em seu caderno.
Nesse meio tempo, pegue uma folha de papel e desenhe rapidamente essas formas:
(Observe como elas não são “perfeitas”… este não é um curso de desenho mecânico; nossas formas serão orgânicas).
(Um “quadrado” é qualquer coisa que tenha quatro ângulos).
Todo desenho envolve combinações desses elementos simples e funcionais.
Novas formas de ver
Pensamos que sabemos como ver, mas, como disse Leonardo, “As pessoas olham sem ver […]”.
Ver para desenhar significa olhar para as coisas como se nunca as tivéssemos visto antes.
Em vez de confiar em reconhecer ou em objetificar – exemplo: “Isto é uma maçã” -, para fins de desenho um artista ignora o conceito “maçã” e vê as características do objeto de uma forma mais imediata e natural: como formas, matizes e texturas.
Eis alguns exercícios para explorar essa forma de ver.
Exercitando o Olhar – 1: Desenho de cabeça para baixo
Desenhar alguma coisa de cabeça para baixo nos livra das percepções habituais.
Olhe para as linhas e formas seguintes.
Copie essas linhas e formas como as vê, numa outra folha de papel.
As regras são:
- Pense o tempo todo que você não sabe o que está desenhando.
- Não inverta a posição da imagem até terminar o desenho.
- Você ainda não terminou.
- Faça uma pausa para relaxar e olhe em volta com um “olhar brando”.
- Depois de ter copiado tudo o que está vendo, vire o papel e veja a imagem que desenhou.
Exercitando o olhar – 2: Desenho com a outra mão
Agora, com a sua mão esquerda (com a direita, se você for canhoto assim como eu), desenhe o retrato de Leonardo Da Vinci outra vez.
Observe o efeito de sua percepção, consciência e sensibilidade quando você faz um desenho de cabeça para baixo e com “a outra mão”.
Se esses exercícios provocarem uma reação um pouco estranha, é porque você está entrando no mundo do artista.
O que você notou da primeira para a segunda vez?
Use a mão esquerda (direita, se você for canhoto) para desenhar a forma acima:
As regras são:
- Ao desenhar, vá nomeando em voz alta o que você está vendo/desenhando.
- Desenhe sempre com a mesma mão.
Exercitando o olhar – 3: Luz e Sombra
Uma das grandes contribuições de Leonardo para a arte foi o desenvolvimento do chiaroscuro, o uso do contraste entre luz e sombra para conseguir um efeito dramático.
Antes do Renascimento, os artistas normalmente voltavam sua atenção para a luz, ignorando a sombra.
Para o artista iniciante, esse é um erro fácil de cometer.
Na arte, assim como na vida, é preciso sondar corajosamente as sombras dos tons mais escuros.
E é a partir da riqueza de sua sombra, e da escuridão que a rodeia, que a figura toma forma, dimensão e profundidade.
Como salientava o mestre: “As sombras tem seus limites em pontos que se podem determinar. Quem os ignora produzirá uma obra sem relevo; e o relevo é o ponto alto e a alma da pintura”.
Estes exercícios simples vão aprofundar sua apreciação do chiaroscuro no seu dia a dia.
- Procure sombras. Faça das sombras o tema do dia. Observe como as características das sombras mudam ao longo do dia, com o movimento do sol. Anote suas observações em seu caderno.
- Colha impressões de sombra e luz. Dê um passeio num parque ou sente-se em seu café predileto para observar as pessoas que vão e vêm. Enquanto você vê o mundo passar, semicerre os olhos para ver o mundo unicamente em termos de luz e sombra, como se seus olhos fossem filmadoras fazendo filmes em preto e branco.
O segredo para a percepção de luz e sombra é procurar o escuro.
Quando você pergunta “O que é o escuro?” a luz aparece em destaque.
Com um pouco de prática você vai se acostumando a olhar o mundo dessa forma.
Exercitando o olhar – 4: Configurações Caleidoscópicas
Como no exercício de luz e sombra, comece olhando um ambiente interessante com os olhos semicerrados.
Mas agora faça perguntas como: “Que forma assume o vermelho aqui? E o azul? E o verde?”. E assim por diante…
À medida que você procurar as cores/formas, o mundo à sua volta adquirirá um aspecto maravilhoso escultural, colorido e caleidoscópico. Desfrute-o
Exercitando o olhar – 5: A moldura do Artista
O universo parece infinito; a página, porém, é finita, e isto pode parecer limitante.
Mas como artista você vai aprender a tirar vantagem da definição que a página permite.
Faça um L usando cada uma das mãos, afastando o polegar do indicador noventa graus.
Use esses ângulos para fazer uma moldura imaginária.
Quando você estiver olhando potenciais “assuntos” para observar e desenhar, mire-os através da “moldura” de suas mãos.
Experimente fazer a moldura maior ou menor, desloca-la para a direita, para a esquerda, para cima e para baixo.
Desfrute a possibilidade que você tem de escolher e enquadrar o seu foco.
Exercitando o olhar – 6: Selecionar e Atrair
O magistral uso que Leonardo faz da ambiguidade atrai nossa atenção para seu tema.
Mais tarde Cézanne usou sua própria versão desse processo de “atração”, tornando indistinto o que não era tema.
Este deve ser o maior poder do artista: a possibilidade de escolher a área a ser focalizada e de selecionar, excluir, obscurecer, colocar tudo o mais em segundo plano. “Enquadre” um tema, desta vez sem usar as mãos.
Ao fazê-lo, deixe que tudo o que não inclui no tema comece a se apagar; “silencie” todas as cores e formas que estão à volta de seu tema.
Cubra com um fino véu o que não é o foco de sua atenção.
Abrande o seu olhar. Quando você “obscurece” tudo o que está em volta, você se abre para uma relação nova e mais próxima como o seu tema.
Por hoje é só. Faça os exercícios propostos e comente aqui em baixo o que achou dessa experiência.
Na próxima aula você receberá novos exercícios de desenho – Contornos.
Grande abraço e vamos desenhar juntos!